I
Saí. Fazia frio mas não como no quarto.
Agora senti-me um pouco mais vivo. É tarde.
Tinha medo dos cães que não vinham. Tremia.
Se fosse de gritar, gritaria. Talvez alguém me ouvisse,
Só queria naquele instante ser ouvido.
A falta faz crescer alega a quem faltou,
olha para si mesmo; somos egoístas no sofrimento.
Só um Messias anula ciclos. Duvido
que muita gente tenha pensado nisto.
Insisto.
Duvido.
Não gritando sentei-me, já me tinha
ali perto antes sentado, de modo diferente
não estava chateado, ou melhor, triste.
Estava tão contente que até fiz uma pintura.
Não dura mais poesia para este.
II
Ahhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh [até se ficar sem ar]
Gritei, gritei baixinho
o meu grito é como o de ?
e rio, é dele e só ele me entende.
A poesia nada explica, pois descreve
é egoísta é ausente
é tudo o que já não está em nós
o então não e é o contrário
Ahhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh [até se ficar sem ar]
Merda Merda Merda
estou perdido
Fosse como os actores que passam cobertos
caracterizados sem nada desfeitos
saiem de cena bebem cerveja
fumam um cigarro e voltam
voltam para o texto que conhecem.
O único medo é dizer o não certo
mas o certo é só o que conhecem.
Aquele robe amarelo sobre um vestido
o vestido cobre uma menina A
mas a menina A faz de B
e o que B sente A não sente
e o que A sente terá de ser diferente.
Fosse eu próprio o robe de mim mesmo.
Guardasse em mim tudo como já foi [descrito]
soubesse o mundo só o que quero de mim.
Já não escrevia há tanto, conhecia-a
o que escrevia supôs dela.
III
Três homens falam. comunicam
ou tentam. Inventam desculpas, passa o tempo.
Medido a copos de Weissbeer.
Vou p´ro 3 cigarro.
Deixo na mesa tudo, não se interessam
Fumo devagar, não bebo.
Tenho medo; se penso
não quero pensar turvo.
IV
Se digo o que penso
sou atacado
Tenho medo
Fico calado
Cresce em mim tudo
devagarinho
num canto pequenino
fico assustado.
Estou exausto
já não escrevia há tanto
tanto tenho por dizer.
Dói-me o corpo do silêncio
do tormento que em mim vai.
NÂO CONSIGO ESTAR CALADO
ESTOU FARTO FARTO FARTO
ESTOU FARTO FARTO FARTO
Achava que agora era ouvido
sentia que o menino
já não devia ter medo de crescer
TENHO TANTO PARA DIZER
TANTO PARA DAR AO MUNDO
Ouve
(claramente enviesado)
está calado
fujo (ela não eu)
E choro e bato o pé e assusto
ainda mais do que antes
sou louco
diz que sou louco
que a moinha cabeça é má
Fecha-se
fico também fechado
é errado
é errado
dar ao mundo.
V - A besta surge
Endireito as costas devagar. Sai-me
um arroto profundo, esotérico, metafísico.
Movo uma omoplata, movo a outra
Mexo o pescoço debagarinho, Logo a seguir aos olhos
Rosno por entre os dentes que sorriem sarcásticos
Afasto com as mãos simbolicamente tudo
o que acumulei sobre a mesa (metáfora, metáfora)
Surge a beste de mim; chega ao fim
o sentimentalismo, o beicinho a docuçura
A esperança de que o mundo muda
de que tudo merece paciência.
NÂO POSSO ESPERAR MAIS DO QUE TENHO
NÃO POSSO DAR MAIS que o mínimo.
O mundo só quer e respeita o que atinge,
o que aprendi em casa só há na que herdámos
o que aprendi na escolinha é para ter pena dos pretos;
Tudo o que dei e fiz perdeu-se.
num canto, numa conversa, numa queca
numa simples partilha honesta
e no fim só chorei com culpa e porquês?
[chorrilho]
Porque é que dei tudo?
porque é que fui bom?
porque é que vi?
porque é que cresci?
Porque é que deixei tudo?
Já dizia a outra que tenho de ser um homem
e um homem é uma besta
não pensa, não partilha, não confia
fode a vizinha, a melhor amiga
e a putinha, a única que pode chupar a piça
não quer amor quer listagens
garagem p'ro carro, p'ro caralho
A solução para a queda capilar
um sistema de donativos para entrar
no céu depois da merda toda que fez.
E vêm de novo os porquês
o porquê eu? Porquê agora?
porquê porquê Porquê porquê.
Foda.se
que se foda tudo
O nosso mundo é só o nosso
Mais uma besta? Acho que posso.
VI - Epitáfio
Cresci triste no meu mundo
bebi tudo de fora tarde
a cidade por atropelamento
sempre me esteve limitada.
Não sentia para além das horas
em que eu sabia não ser ouvido
Fechava-me, corpo como um punho
Chorava abafado p'la almofada.
Manipulava todos em meu redor.
Fiz, sabendo a partida que daria,
que uma se aproximava.
Ensinou-me que poderiam gostar de mim
Assim ficticiamente. Depois dela
aprendi a abraçar, a ouvir
a dançar, a foder, a beijar
a fumar, a beber, a curtir
a deixar, até que um dia deixei-me ir.
Mostrei-me, aprendi a sofrer
a perder num emprego, numa responsabilidade
a ser deixado, enganado
manipulado também, no instante em que deixei
de ser a besta. Voltei a ser
Voltei a ter sem sentir que perdia
Até que veio o dia em que deixei de novo de ser.
estou a sofrer.
VII - Começa
Não baixes a cabeça, há actos
que só o público justifica. Esse, rapaz,
é um deles. Põe-no num canto teu;
Aquele em que só o que não importa existe.
Pensa, não te deixes levar pelas emoções
Usa-as e cresce, retém o que fizeste,
sente então ao mesmo tempo.
Não chores. pois mais sofres e
caso o faças que seja por ti.
Assume os teus actos, são teus
Aceita dos outros os que te interessam.
VIII - mais um que só é meu.
Em miúdo sentava-me à varanda a fumar cigarro, pensativo como a um miúdo se permite e muito antes de o alcool me inspirar. Nyunca fui muito de me abrir, mas nessas alturas tinha espasmos emocionais; exercitava talvez os meus limites. Olhando agora para esse temo apercebo-me que poucas vezes pensei no que deveras importava. Talvez a consciência surja depois de ler o J. GIL - ironicamente as entrevistas e não o corpo principal do texto.
Vivemos as emoções, os conflitos, os pequenos nadas que nada de radical poderão trazer à nossa vida, nada para além de pequenas conquistas, ou grandes distracções. Preocupava-me com questões banais e nunca comigo. Hoje pequeno adulto vejo que os meus problemas, que sei que existem, são tantos outros que não tratei, os mesmo que imponho, mesmo que inconscientemente, a quem me rodeia por gosto.
A mente cria relações causais entre os elementos que lhe são apresentados porque necessita de organizar o conteúdo, de uma justificação para sobreviver - ironicamente é quando ela está vazia, independentemente do estímulo, que nos sentimos mais vivos. Briguei, senti-me mal, li o medo de existir, em seguida a carta do hughes ao seu filho e da Plath, e depois deparo-me com os desalojados de Pemba e releio o discurso do Mujica na ONU; digamos que estou agitado, que o grito profundo de ontem me parece tão ridículo ao ponto de voltar a pensar em quando pensava quando me sentava numa varanda em S. Pedro do Estoril.
Agora estou numa cozinha a levar com o barulho de música de dança quando quero dormir. Peixe fumado em frente a ao lado pão preto. 10 anos mais velho num cenário tão mais pobre. Não fumo enquanto penso, engulo e digiro.
IX - Voltei às origens/ toma um soneto/ será que sei contar?
Soubesse eu tudo, acertaria sempre
pouco-ou-nada teríamos perdido,
neste instante estarias comigo.
Faria o que dizias, que se sente.
Mas só sei nada, e lá espremo a mente
aponto o dedo com certezas vingo
o medo tão pequeno que eu já sinto
que tudo é impossível sem que tente.
E o que era certo, se sentisse, está
à distância de um braço, mas não posso
nem um carinho que só nojo dá
nem tentar explicar mais um desgosto.
Consumo-me a pensar mas nao o mostro
e sinto o que se dá porque me mordo
X
Agora que penso nisto eu era mais feliz quando escrevia, e melhor percepcionava o mundo. Digeria, tudo era menos imediato, e também mais ecológico, dava menos merda ao mundo