I
Confunde-se com a calma, que nos permite ver mais claro, a clarvidência que nos é inata; embora o estado potencie a capacidade referida, a percepção despojada de emoções é um simples modo de ver o que nos rodeia com uma profundidade acessível a todo o que não se sente ligado emocionalmente ao objecto da sua observação; a clarividência por sua vez implica olhar para além do que nos é dado e, por isso, sem qualquer tipo de filtro imposto pelas nossas vivência e formatações.
Note-se que a calma é essencial aos dois modos de observar a realidade e que, enquanto é a principal mudança de estado que nos permite totular um comportamento de forma distinta ao longo de um mesmo eixo moral e, nalguns casos, de formas antagónicas, através dela nunca nos será possível captar a realidade, mesmo que mais verdadeiramente, para além do que os nossos sentidos nos oferecem e nos mostram existir.
Ela embora deva ser procurada não se deverá considerá-la um fim específico. Forçando-se o alcançar desse "novo" estado a frustração de não o conseguir só inibirá a condição desejada. A prioridade deverá ser sempre o meio, o que surgir, como o que surge ao clarividente, fá-lo-á quando assim tiver de ser e, quando assim fôr, quem a recebe só terá de aceitar tal como o mundo, agora calmamente percebido e percepcionado, o acabará por fazer, mesmo que o assuste ao sentir que o tomam de outra forma.
O impacto de uma compreensão mais correcta, por ser mais justa, tem um peso mais forte que um grito ou que a simples força, por ser também aceita pelo julgado. O que se vê para além do dado é que nunca será compreendido já que o espelho nunca há-de possibilitar nada mais que aquilo que os olhos de quem observa veêm; mesmo que presumem saber o que o clarividente vê eles, os que não veêm, só entenderão, sempre sem calma (com pressa), as respostas aos problemas que desejam e nunca para além disso, limitando à partida todo o peso do que por outrém foi observado. Cabe a quem de facto viu encaminhar a pessoa, não respondendo às questões próprias mas apoiando à formulação das perguntas que estão aptos a perguntar e cuja resposta mais claramente será percebida. O que eles querem muitas vezes não é aquildo de que precisam, e para além dos olhos está o que de facto apoiará uma ou várias existências a conseguirem a paz verdadeira; para além da passional e parvamente considerada de importância.
Ser um mestre passa por isto; ser um aprendiz de qualquer ofício exige o entendimento da arte e da prática dos seus mestres.
II
Dá-te ao mundo, fica no outro
lado que só é teu.
Foge sorrateiramente em ti
enquanto outros contam euros.
E ao fim do dia sossegado
Vai aos bolsos do mundo que dorme.
Não tens culpa do seu cansaço
E os mortos não julgam os vivos.
III
O dia de uma partida adquiriu um peso de uma despedida mesmo que esta só se dê com a chegada. Nunca mais me vou, no futuro próximo, colocar na posição de quem aguarda algo de outrém. Doeu-me o ruir de tudo o que eu esperava e um enxoval agora não partilhado. Disse-me que não iria pôr em causa o que nos últimso anos construíra mas a única coisa que fez foi isso e da forma mais feia que lhe era possível: a construção não acabou, a estrutura cedeu e nem os seus alicercerces eu agora acredito terem sido fundado em algo certo, verdadeiro, e o terreno pantanoso de nada nos serve.
Mentiu-me e com a mentira tudo deixou de existir.