O novo.
Acabei por ter o que pedira. Vivi uma felicidade no início certa e mais para o final aparente e que, mesmo sendo mentira, me alimentou o resto dos dias em que ao meu lado não estava. Sorri e dei o que de melhor e pior em mim tinha, ou seja, tudo o que sou. Tiveram mesmo os que se riam de mim a inveja que eu já senti, disseram que formava, com ela, um casal bonito por entre as nossas corridas numa fnac qualquer, escondidos por detrás de prateleiras, as nossas danças cada vez menos trapalhonas do meu lado e um ou outro gelado que apesar de variarem nos sabores eram bons.
Tudo o resto também acabei por ter. Diluí a minha razão num sentimentalismo que me faltava e acabei por perdoar ao ponto de ir contra as minhas estruturas tão brutamente impostas. Fui pisado metaforica e literalmente, fui traído de mais que uma maneira, quis acreditar no que sabia ser falso e, no final, mesmo que ele pairasse por perto não tive o medo de me dar ou de sofrer. Foi por minha cegueira que sofri, não queria prever jogadas no tabuleiro pelo pequeno prazer de viver os dias, uns melhores outros piores, que vivi.
O que não esperava também acabou por acontecer. A príncipio julguei que iria odiar alguém, que seria incapaz de nomear uma pessoa depois de tudo o que acontecera. Supreendi-me com a minha atitutude, cada palavra que fealmente soltei com o peso do crescente acumular em mim saiu por instinto que acabei por controlar pois, por mais injustiçado que me sinta, eu é que me meti onde estava metido e os sinais, óbvios para todos os que me rodeavam, passavam diante de mim e só por mim eram ignorados. Estou chateado comigo, irritado até, mas a sensação de que aprendi mais que muitos acaba por minimizar esse fardo incómodo da consciência do que errado fiz ao longo de muito tempo.
Ao mesmo tempo que tudo concluiu juntaram-se outros aspectos que mais importância dão a esta mudança. Financeiramente voltei ao que era e tinha antes de a conhecer assutando-me um bocado a minha condição e a postura de presentear desnecessária, mais óbvia agora que caixotes empilhados representam tudo o que lhe ofereci. Mais um aspecto a mudar. Surgem oportunidades de mudar a minha carreira profissional e agora, ao contrário de antes, não tenho alguém ao meu lado que não tentando perceber ao que diariamente me sujeito me dificulta a sua concretização, e agora, ao contrário de antes, não vou abdicar do meu desenvolvimento por alguém que não eu ou por um futuro que sinto sempre incerto apesar de acreditar nele. Mais um aspecto a mudar, entre outros.
Estou também estranhamente mais confiante em mim e nos outros. Tinha vergonha do que mais me define, do meu humor inesperado, da minha cabeça, dos meus gestos e expressões. Quem me conhece percebia o diferente que eu era por ter algo ao lado, diziam-me sempre mas só agora é que o percebo. Sentia-me uma má pessoa quando raramente mal eu a alguém fazia; eu não vivia por ir sobrevivendo de estímulos cada vez mais escassos.
Ao contrário das outras vezes não procurei esconder-me por entre pernas novas ou conhecidas. Isolei-me com aqueles que me são mais próximos por já não existir a vergonha que antes me impossibilitava a proximidade por exigir mentira; tudo aquilo para o que eu não fora educado era parte da minha vida como anteriormente sugeri e o facto de o acumular em mim e não o partilhar , mesmo que precisasse de o fazer, desenvolvia uma ira que se reflectia nos que ao meu lado estavam e queriam ainda mais perto estar. Eu parvamente evitava-os, e agora que os tenho percebo o quão parvo fui e a necessidade de os ter próximos; não me julgaram, nunca o fizeram simplesmente preocupavam-se comigo e eu julgando-me nunca me inteirei das suas atitudes sinceras. Não minto que tinha medo de me dar e de sofrer de novo mas até esse comportamento se mostrou errado ao fim de algum tempo. Qualquer relação é uma roleta russa e a bala pode estar no cano à espera de nos levar com ela; ninguém se conhece inteiramente do ponto de vista pessoal, como podemos exigir conhecer os outros? Sinceramente eu nunca achei que fosse perceber programas de rádios franceses como hoje sei que entendo tal como nunca me achei capaz de aceitar o que já escrevi ter aceite.
Agora é altura de viajar. Instambul já esteve mais longe e a cadeira entretanto vazia pouco-a-pouco ou de súbito há-de se preencher.